O QUE SE ESPERA POLITICAMENTE DE LULA

Já de cara, o poeta nos adverte: “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. É nesse sentido que colocamos esse título, para sacudir o pó e a paralisia que toma conta dos partidos de esquerda e dos movimentos sociais, principalmente dos sindicalistas, que estão embriagados e ansiosos para que tudo retorne ao seu lugar. O que precisamos, segundo essa concepção, é apenas vigilância aos movimentos de extrema direita que possam atacar a democracia, além disso, darmos todo o apoio às medidas que o Governo Federal manifeste em favor da melhoria de vida do povo brasileiro.

Nem se vivêssemos no socialismo, onde já tivéssemos acertado as contas com a burguesia brasileira e o latifúndio (dito o agronegócio de hoje), o povo (o proletariado) tendo os meios de comunicação em suas mãos e um exército a serviço da sua soberania, jamais poderíamos ter a pretensão de desmobilização, de o proletariado ficar refém da burocratização do Estado, não ir sempre adiante na busca da liberdade e controle maior do povo em todos os campos da vida. O que dizer então quando nem sequer, no atual Governo Federal, foram anuladas as contra reformas trabalhistas e previdenciárias, revertidas as privatizações, impedidas as desonerações da folha de pagamento dos grandes capitalistas, criados problemas para os monopólios de comunicação imperialistas (órgão centrais da Fake News), e a reforma agrária não passa do investimento de compra e a cedência dos latifundiários quando assim lhes favorece. Aqui, o medo da perda dessa dita democracia, que a esquerda assumiu junto com a direita, nada mais é do que um ataque à própria luta democrática que sempre identificou os lutadores, revolucionários, socialistas e comunistas.

Se há perigo em relação à extrema direita, sem dúvida alguma comungamos disso, mas do jeito que as coisas estão colocadas e acontecendo na esquerda brasileira, não faremos frente a essa gente, ao fascismo, pois sem uma independência de ação, de mobilização, de reivindicação nas ruas, no esforço de colocar o povo como uma nova força na luta pelo poder, é balela, é ficar nas mãos dos setores da direita que ao mesmo tempo condena em palavras o fascismo, mas quando se fala em manifestação popular, avanços econômicos e direitos do povo, recorrem à violência das senzalas, às baionetas das ruas, às balas, às prisões e ao aniquilamento do proletariado.

Se Lula é a parte democrática dentro do Estado da ditadura da burguesia brasileira, gerenciar e administrar essa democracia fajuta é assassinar a própria luta democrática, é negá-la, mostrando com isso que a esquerda até agora só entendeu que existe democracia no mundo da burguesia, que ela é a coisa mais bela quando funciona, pois a sua beleza consiste em que o pobre possa comer três refeições por dia, ter uns trocados para um churrasquinho, uns tragos, ter emprego, etc. Mesmo que o proletariado queira continuar a ser um escravo assalariado e explorado até a raiz, nem essa democracia fajuta o capitalismo ideal ou puro a burguesia pode ofertar.

Mas quando tratamos do que “esperamos” politicamente de Lula, não corresponde a nenhum avanço economicista, mas, sim, em relação às classes no poder. Aqui que está o centro da questão. Qual o programa político que a esquerda tem, mesmo que institucionalmente, para mudar tal quadro? Nenhum. Toda a estrutura militarizada, das forças armadas, do monopólio da mídia, do domínio do judiciário dentro da estrutura do Estado, segue a mesma lógica de 100 anos atrás. São instituições, todas a serviço do imperialismo, incluindo agora a separação do Banco Central. Essas instituições são correspondentes à estrutura econômica do capital nacional e internacional, da burguesia submissa daqui e da burguesia imperialista de lá, ao monopólio da terra, ao capital financeiro a eles ligados e a toda a industrialização burguesa no país.

É aqui que ousamos intervir como classe, isto é, não para assegurar a continuidade do poder das classes que aí estão, para isso não precisa de esquerda, ou estou enganado. É provável que esteja, porque há muito que burguesia precisa dos setores reformistas da esquerda, para dar ares “democráticos ao capital”. Além disso, isso prova que a burguesia tem consciência de que pode passar a história, que o proletariado é uma força unida capaz de derrotá-la, sabe do poder revolucionário, já foi comprovado isso. A existência da Social Democracia na história não é casual, nem mesmo o fascismo, são necessidades históricas do modo de produção capitalista em sua fase imperialista, que é a antessala da revolução socialista. A burguesia precisa dessas forças para desviar os povos do caminho do proletariado, da revolução, do socialismo.

Na luta política que defendemos, a democracia não é colocar o pobre no orçamento como pobre melhorado (porque entendemos que ele já está no orçamento, até como desempregado ele é lucro), mas como protagonista nas questões políticas e econômicas, sem a chancelaria do parlamento burguês, dos banqueiros, dos agiotas, do latifúndio, por fim, ele no centro das decisões e ações. Essa concepção é o mínimo que pode ser levada a sério por um dito socialista. Sim, sim, reconhecemos isso em tese, irão nos dizer, mas é loucura levar isso dentro de um governo eleito nos fóruns da farsa da democracia burguesa. Temos que sobreviver como dá, avançando minimamente.

E aqui há mais um ponto de interrupção: não há avanço político só com avanços economicistas. Mas a questão é: na luta economicista não se pode tratar da luta política. Desde quando a luta pelo pão, terra, trabalho é uma luta descolada da luta política. Ela só não tem esse significado, se os seus anfitriões oportunistas assim desejarem, de se esforçarem para que essa luta não saia do limite do controle da burguesia, que se estenda dentro das quatro linhas, que não passe de ações de correspondências institucionais. Para isso, basta que o povo fique de fora disso, que não lhe garante protagonismo, que a sua consciência não avance mais que o próprio economicismo. Aqui há um claro desejo de que tudo fique no seu lugar, cada um no seu comando, a burguesia no controle político e econômico, logicamente, e a esquerda nas ações economicistas.

É contra essa concepção de esquerda que tentamos combater, a mesma que não quer mobilizar, que quer atuar contra a extrema direita no sentido de manter a democracia burguesa, de não ousar de lançar-se na luta por um programa político, de medir as palavras e manifestações para não despertar a ira dos reacionários (com medo deles), de abandonar a luta pela retomada dos direitos trabalhistas e previdenciários, da luta por uma jornada de 40h semanais, pela Reforma Agrária antilatifundiária, pela reforma urbana, etc.

Sem essa ofensividade de classe, em um momento em que as liberdades de contestação ainda estão em nosso favor, a vigilância contra o fascismo não passa de uma palavra vazia, sem conteúdo algum, por um lado não organiza o povo na luta política e econômica, não eleva a consciência das massas na mobilização e discussão política, não põe o povo em marcha na mobilização, e por outro não indica caminho algum na luta de classes, isto é, para onde vamos, quais as perspectivas, o rumo socialista de toda a luta. Isso é atuar no espontaneísmo burguês, a favor do fascismo.

E é assim que estará colocada a próxima luta de classes, aberta, nas eleições municipais em todo o país. O economicismo de antes já não repercute mais hoje da mesma forma no povo, já não é mais a novidade em voga, além do mais, a crise do capital aprofunda e o neoliberalismo já não se mantém mais sem que esteja de mãos dadas com o fascismo e a guerra. O novo está em pôr fim a um sistema político, às mudanças profundas de expurgar as velhas classes que estão no poder há séculos, as ditas Reformas de Base de outrora que estão intimamente ligadas às classes no poder, erguem-se diante da esquerda como um enigma para continuar na luta política. O economicismo é a própria falência de toda a Social Democracia. Por isso, esse projeto abre as brechas para a extrema direita aparecer como antissistema.

Sem radicalizar a luta em tempos de guerra, de demonstrar as desgraças do Capital e suas classes à humanidade, os êxitos, mesmo que eleitorais, serão pífios para a esquerda como um todo, além de deixar o campo aberto para o crescimento da extrema direita. Há espaço mais do que nunca para as políticas independentes da classe operária, mesmo que no campo eleitoral. É preciso construir um plano político no Brasil, e as eleições municipais nos dão essa oportunidade de fortalecer com grupos que buscam essa construção.

E a hora que o poeta nos fala, aqui, é da paciência revolucionária que é indispensável para os momentos de construção. E sabemos que, nos próximos anos, a luta estará mil vezes mais acirrada que agora, e é preciso unir o proletariado e as forças que podem junto às massas jogar um papel muito mais decisivo na luta política. Precisamos de novas forças para cumprir as novas tarefas. O único caminho que não podemos seguir é o que o economicismo propõe, fundir-se com a direita, não mobilizar o povo nas ruas, silenciar sobre as necessidades de mudanças das classes no poder, contemplar e aplaudir sem criticar os resultados de um esforço gigantesco e um avanço mínimo na luta, porque, por mais importante que isso seja momentaneamente para o povo, dissociado da luta política e sem críticas, é uma defesa irracional do governo Lula (até porque lembramos que ele administra o Estado da burguesia) e um preconceito violento à luta de classes.

Por uma política independente do proletariado

Em defesa da Soberania Popular e do Socialismo

Preparar novas forças para novas tarefas

João Bourscheid

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*



The reCAPTCHA verification period has expired. Please reload the page.