Por Jairo Castelo Branco
A ideologia oficial institucionalizada pela ditadura civil-militar brasileira foi a doutrina de segurança nacional, uma abordagem funcionalista que não permite a experiência democrática do convívio entre as diferenças de pensamento, e que enxerga os reclames derivados das distorções sociais como sabotagem ao desenvolvimento sistemático da célula centralizada. De modo que, toda agitação oriunda da confrontação das desigualdades ou contradições é tida como uma patologia que objetiva criar celeumas desnecessárias ao paradigma instituído, e que diante disso deve ser combatida como um inimigo a ser destruído, em nome da paz e da segurança.
Giannasi, trabalhando a relação do surgimento da doutrina de segurança nacional e a ditadura militar brasileira propõe:
À vista da situação pós-guerra, com a formação dos dois blocos, os estrategistas do Pentágono trataram de elaborar uma doutrina que pudesse não só justificar a ação norte-americana em todo o planeta, em se tratando de barrar o avanço da União Soviética, mas também que desse a seus militares a orientação sobre como agir. E, mais importante ainda, sobre como deveria ocorrer a cooptação de governos e forças armadas de todas as Américas, por sua política externa, a cargo do Departamento de Estado, para que tal objetivo fosse conseguido. No âmbito militar, criaram então o National War College, uma entidade de alto nível, voltada especificamente para o estudo dos temas militares relacionados com o interesse da segurança nacional e para a elaboração de estratégias adequadas.
Embasados na doutrina de Segurança Nacional foram publicados os Decretos-Leis 314, de 1967, e os DL´s 510 e 898, de 1969, com a pretensão de legalizar a ascensão irresistível da repressão política. Emir Sader, assim destaca esta investida:
Em termos ideológicos, significa reprimir os dissidentes e suas formas de organização como germens introduzidos de fora para dentro, pela subversão internacional, sendo considerados como “inimigos internos”. Os interesses do país são identificados, nessa doutrina, à segurança nacional, que encontra seus defensores máximos nas Forças Armadas, a própria encarnação da nação. Em nome desse papel, as instituições militares haviam se reivindicado o direito de subverter a constituição e o sistema legal estabelecido, para fundar um novo sistema de poder, legitimado pelas próprias Forças Armadas em nome da Segurança Nacional.
O mesmo autor prosseguindo, adverte:
Apoiada nessa concepção totalitária, a alta oficialidade demonstrou logo que os valores liberais de defesa das liberdades civis contra o suposto perigo estatizante e comunizante do governo Jango eram apenas, mais uma vez na nossa história, uma farsa. Manipulava-se o ideário liberal em função de um objetivo ditatorial. As Forças Armadas passaram a reformar profundamente o Estado e o sistema político.
Em conversa vazada no último dia 23 de maio, o senador pmdebista Romero Jucá e o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado dialogavam sobre a necessidade de derrubar o governo eleito de Dilma Roussef e efetivar um outro de caráter “salvacionista”, que pudesse realizar um grande pacto das elites nacionais, quando o aludido senador afirmou: “Conversei ontem com alguns ministros do Supremo. Os caras dizem ‘ó, só tem condições de [inaudível] sem ela [Dilma]. Enquanto ela estiver ali, a imprensa, os caras querem tirar ela, essa porra não vai parar nunca’. Entendeu? Então… Estou conversando com os generais, comandantes militares. Está tudo tranquilo, os caras dizem que vão garantir. Estão monitorando o MST, não sei o quê, para não perturbar”.
O acionamento do componente militar foi apenas a primeira demonstração de que não existe dificuldade por parte dos golpistas de 2016 de fazer uso da força contra o movimento democrático.
Ocorre que o golpe caminha a galope, a Presidenta Dilma encontra-se afastada do exercício do mandato e a plutocracia começa a colocar em prática o plano de “salvação nacional”, que na questão da Segurança Nacional e da promoção dos direitos humanos é um tremendo retrocesso, um ataque aos trabalhadores.
Temer escolheu “Brasil: Ordem e Progresso” como lema de seu governo interino, uma perspectiva positivista, também enaltecida na escolha do seu ministério, que mais parece com uma loja maçônica. Entre os seus ministros encontra-se Alexandre de Moraes, ex-Secretário de Segurança Pública de São Paulo. Segundo o jornalista Marcelo Auler, em recente artigo publicado no jornal Valor Econômico, a linha dura de Moraes não entrou em conflito aberto com as máfias que há décadas subsistem nas polícias e já derrubaram vários secretários. Quando entrou na secretaria encontrou policiais que há décadas ganham por fora tanto para cumprir suas obrigações quanto para descumpri-las. Quase todos sobreviverão ao seu mandato.
Já no que tange ao trato com os movimentos sociais que ocupam as ruas brasileiras em defesa da democracia, o pitbull da plutocracia não tegiversa, como no último dia 10 de maio em que ainda como Secretário de São Paulo, Moraes afirmou que as manifestações em defesa do mandato de Dilma Roussef não se configuravam como manifestações, pois não pleiteavam nada, mas visavam apenas atrapalhar a cidade. Destaca ainda que os manifestantes atuaram como guerrilheiros, e que se houvesse insistência por parte dos movimentos seriam tratados como criminosos.
Qualquer semelhança, lembremos a lição de Marx de que a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa.
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