Em semana com noticiários dominados pelo Covid-19, pela baixa no barril de petróleo e pela gangorra nas bolsas – como se a crise do capitalismo fosse determinada pelos vírus biológicos, pela circulação de commodities ou pela psicologia dos especuladores, isto é, pela esfera meramente fenomênica do real em turbulência –, passou despercebida, ou quase, a viagem de Bolsonaro para o beija-mão de Trump no dia sete. O resort particular em Mar-a-Lago, situado em Palm Beach, foi o elegante cenário escolhido para simbolizar relações pessoais supostamente relevantes.
Antes, na quinta-feira, dia seis, o ministro das relações exteriores antecipara misteriosos e obscuros acordos em áreas “estratégicas”, citando especificamente a “defesa”, bem como declarara que a reeleição do anfitrião garantiria uma “relação promissora” com a poderosa nação do Norte. Na véspera da viagem, aliviado pela confirmação do ansiado jantar com sua referência tutelar maior, Bolsonaro manifestara, exultante, o seu “complexo de vira-latas”, com a crueza que nem o dramaturgo Nelson Rodrigues imaginaria: “Devemos nos juntar com países melhores do que nós”.
Depois de apostar suas fichas – todas – no amigo que o cartunista Péricles denominaria “da onça”, o presidente que se vê como chefe de um “país pior” discutiu assuntos comerciais e militares. A Venezuela e a Pax Americana foram meras sobremesas de almas gêmeas que respaldam o golpismo do já desmoralizado Guaidó e o domínio israelense nos territórios palestinos. Antes, a pauta comercial fora prato indigesto: à súplica sobre tarifação a exportações brasileiras, uma resposta curta e grossa: “não faço nenhuma promessa”. Mais claro impossível: América First!
Sobra o “Acordo de Pesquisa, Desenvolvimento, Teste e Avaliação” – RDT&E –, apelidado como “defesa”. Bolsonaro teve que o firmá-lo de forma humilhante: nas dependências do Comando Sul – US Southern Command, responsável pelas operações militares latino-americanas dos EUA – e contentando-se com a presença de subalternos. A justificação pública foi “abrir caminho para que os dois governos desenvolvam futuros projetos conjuntos alinhados com o mútuo interesse das partes, abrangendo a possibilidade de aperfeiçoar ou prover novas capacidades militares”.
De fato, a meta é prosseguir no mesmo caminho que passa pela Base de Alcântara e pelo status como “aliado preferencial extra-Otan”. O signatário, almirante Craig Faller, elogiou a dimensão “histórica” da colaboração estabelecida, por compartilhar experiências sobre “ameaças à democracia”. Parece uma piada: Trump, Bolsonaro e o Comando Sul em defesa do regime democrático! Todavia, em que pese o riso involuntário, trata-se de algo extremamente grave: um acinte à soberania e à segurança do Brasil, consumado previamente às tramitações no Congresso Nacional.
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