ESTANCANDO A SANGRIA

Tem se manifestado publicamente, cada vez mais, no imaginário de considerável parcela da população brasileira, a ideia de que durante a ditadura militar não havia corrupção ou ela seria bem menor. Na verdade, apesar das restrições documentais sobre o período, sabe-se (e uma rápida busca pela internet demonstra isso) que durante aquele regime a corrupção grassava livre pelo país e toda a roubalheira era jogada para debaixo do tapete, uma vez que investigações ou denúncias sobre tal prática eram sumariamente censuradas.

Acontece que a corrupção é inerente ao próprio sistema capitalista, fazendo parte de sua estrutura, sendo qualquer tentativa de associá-la a um determinado governo uma falácia que, utilizada politicamente, busca ocultar a raiz do problema. Prova disso é que os governos que, em toda história brasileira, mais ferramentas e dispositivos criaram para combater a corrupção, ou seja, os governos de Lula e Dilma, são vistos, pelos mesmos que julgam não ter havido corrupção durante a ditadura militar, como os mais corruptos que já existiram.

É que existe uma diferença fundamental entre a coisa em si e o que se vê e como se vê essa mesma coisa. Não se trata, em hipótese alguma, de que nos governos de Lula e Dilma tenha havido mais corrupção e sim que, por ter sido o combate a ela mais intenso e ter havido liberdade e autonomia dos organismos competentes para investigar e da imprensa para noticiar, a visibilidade sobre a corrupção se tornou maior.

No entanto, o discurso antipetista e o mantra do combate à corrupção foram materiais inflamáveis utilizados por Bolsonaro e seus aliados para incendiar os ânimos insatisfeitos da maioria da população e transformá-los em votos que o conduziram à Presidência da República, mesmo tendo ele e muitos dos que lhe cercam “a moral toda enterrada na lama”, afinal o clã Bolsonaro enriqueceu – e muito – na política, como as transações envolvendo Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz demonstram, não sendo preciso investigar muito (e é provável que até já se tenha documentos que o façam) para envolver, diretamente, o nome do presidente ao escândalo que se originou após as denúncias do Coaf.

Talvez, Bolsonaro e os seus, tivessem a certeza da impunidade, mediante a seletividade com que vem agindo o Judiciário e os órgãos de investigação – sempre rígidos e ágeis com as esquerdas e morosos e complacentes com o restante da classe política – ou foram inocentes por acreditarem que, ao saírem do “baixo clero” e das sombras em que se mantiveram durante décadas, não seriam postos, automaticamente, no centro das atenções.

Assim é que, para o clã Bolsonaro e boa parte da classe política que compõe a sua base (o Governo Bolsonaro é a continuação do Governo Temer), se faz necessário pôr em marcha, urgentemente, o plano que Romero Jucá tão bem explicitou: “estancar a sangria”. A tal sangria refere-se à “caixa de Pandora” que se tornaram o Judiciário, o Ministério Público, a Polícia Federal e outros órgãos nos últimos anos, na medida em que, ao se converterem em verdadeiros tribunais inquisitórios contra o Partido dos Trabalhadores e suas principais lideranças, proporcionalmente, procedeu-se ao seu empoderamento e automação em relação à classe política que, agora, momentaneamente vencido o inimigo principal, precisa controlá-los.

A recente notícia de que está em trâmite uma alteração nas normas vigentes desde 2009 (Governo Lula) para o Banco Central, é a prova cabal de que o discurso contra a corrupção na política não passa de uma fábula alimentada pela direita golpista. Pela proposta, o Banco Central pretende excluir parentes de políticos da lista de monitoramento obrigatório das instituições financeiras, bem como eliminar a exigência de que todas as movimentações bancárias acima de 10 mil reais sejam notificadas ao Coaf. Curiosamente, tal proposta entrou em consulta pública justamente no último dia 17, quando as denúncias contra Flávio Bolsonaro ganharam grande repercussão. Tão grave quanto, é o decreto assinado hoje pelo presidente em exercício, Hamilton Mourão, que modifica a Lei de Acesso à Informação, permitindo que servidores comissionados e dirigentes de fundações, autarquias e empresas públicas imponham sigilo ultrassecreto a dados públicos. Pela lei até então vigente, assinada em 2012 (Governo Dilma), qualquer pessoa (física ou jurídica) poderia ter acesso às informações públicas dos órgãos e entidades, sem necessidade de apresentar motivo.

Para um governo que se elegeu prometendo “acabar com tudo isso que está ai”, pôr fim “às mamatas e privilégios” da classe política e combater “sem tréguas” a corrupção, ao que parece, tal bandeira não passará de apenas mais uma “fraquejada”.

Por Fábio Rodrigues

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