HÁ DÉCADAS EM QUE NADA ACONTECE, MAS HÁ SEMANAS EM QUE DÉCADAS ACONTECEM

HÁ DÉCADAS EM QUE NADA ACONTECE, MAS HÁ SEMANAS EM QUE DÉCADAS ACONTECEM

(Vladimir I. Lenin)

Por Fábio Rodrigues

As sábias palavras de Lenin, que dão título a esse pequeno texto, apresentam um retrato fiel do que podemos entender como a conjuntura política da América do Sul nas últimas semanas, a começar pela reeleição de Evo Morales à Presidência da Bolívia e a derrota eleitoral de Macri e do ultraliberalismo na Argentina, quando foi eleita para a presidência do país vizinho a chapa peronista formada por Alberto Fernandez e Cristina Kirchner, ambos os pleitos realizados no final de outubro.

Na mesma direção, a primeira semana de novembro foi marcada, no Brasil, pela rejeição do Supremo Tribunal Federal à prisão em segunda instância, ressalvados os casos previstos em lei, o que significou o retorno ao que estabelece a Constituição Federal de 1988 e a imediata libertação de presos políticos encarcerados pela Operação Lava-Jato, braço jurídico do imperialismo no país, que teve como principal consequência de sua criminosa ação, a prisão de Lula, então líder das pesquisas eleitorais ao pleito que aconteceu há pouco mais de um ano.

De modo geral, esses acontecimentos representaram, para alguns setores, um certo otimismo, tendo em vista a insistência nas vias eleitorais como principal ou única estratégia de ação, o que redunda em um grave erro, como os acontecimentos dos últimos dias na Bolívia, culminando no golpe que, ontem, depôs Evo Morales da presidência, nitidamente revelam.

Desde que a América Latina ingressou em um ciclo progressista, a partir da virada do século, cujo marco principal foi a revolução bolivariana na Venezuela, o imperialismo ianque tem tentado, por diversos meios, fazer valer seus interesses na região, como deve ser lembrado pela tentativa de golpe contra Hugo Chávez, ainda em 2002, que somente foi rechaçado graças ao grande apoio popular e ao respaldo das Forças Armadas, algo que, da mesma maneira, assistimos há poucos meses, agora contra o atual presidente venezuelano, Nicolás Maduro.

Tragicamente, o mesmo destino não sorriu a outros governantes progressistas, como Manuel Zelaya (Honduras), Fernando Lugo (Paraguai) e Dilma Rousseff (Brasil), que tiveram seus mandatos interrompidos por meio de golpes. No entanto, uma grande diferença marca os processos golpistas desses países em relação ao que agora acontece na Bolívia, uma vez que, enquanto em Honduras, no Paraguai e no Brasil prevaleceram os chamados golpes “brancos”, respaldados por uma pseudolegalidade, passando por ritos parlamentares e judiciais, na Bolívia, o que desenrola-se é um golpe clássico, levado a cabo por militares e grupos paramilitares, da forma que fora comum até os anos 1970, marcando, assim, um divisor de águas na história recente do continente – mudança que, evidentemente, não acontece por acaso.

Certamente, um dos principais fatores que levaram a tal alteração está associado à geopolítica internacional, com a ascensão de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos e seu desejo por uma guerra na América do Sul, que permitirá, ao mesmo tempo, um maior e mais amplo domínio sobre a região, num novo ciclo neocolonial de pilhagem de recursos, e a matança generalizada entre as camadas populares, como indica ser o caminho seguido na Bolívia, onde grupos de extrema-direita, com inspiração neonazista e fundamentalistas religiosos cristãos, são o braço civil do golpe, exalando todo seu ódio contra a população indígena, algo similar ao que, guardadas suas diferenças, aconteceu na Ucrânia há poucos anos.

Outro fato que não deve ser negligenciado, é a mudança da política externa brasileira, após a eleição de Bolsonaro, agora totalmente alinhada e subserviente aos interesses estadunidenses, inclusive votando a favor do criminoso bloqueio contra Cuba e, igualmente, um governo extremista de direita, miliciano e de inspiração fascista, cuja base social também dialoga com o mesmo fundamentalismo religioso.

Se, como certa vez afirmou Che Guevara, “para onde pender o Brasil, penderá a América Latina”, os acontecimentos na Bolívia não são de causar estranheza, afinal, em outras épocas, como na década de 1950, o Brasil teve participação ativa em golpes naquele país, tal como o tem agora, quando já se revelam articulações palacianas e de fundamentalistas brasileiros na derrubada de Evo Morales e nas violações aos direitos humanos.

Nesse sentido, o golpe de 10 de novembro na Bolívia, dada a dificuldade que o imperialismo tem encontrado para se firmar em certos países da América do Sul via processos eleitorais, sinaliza um novo patamar na luta de classes para os povos da região, numa conjuntura que pode levar a um processo aos moldes do que ocorreu no Oriente Médio, tendo em vista as pressões populares e as lutas de massa que recentemente marcaram a cena política do Equador, ainda desenrolam-se, com maior força e intensidade, no Chile, cujo teor principal é a recusa ao modelo econômico ultraliberal, e agora se anunciam com a resistência civil na Bolívia. Afinal, o que mais o capitalismo teme é que as grandes massas famintas acordem do sono profundo que a ideologia burguesa impõe.

Diante disso, cabe aos setores democráticos, progressistas, à esquerda em geral e aos comunistas em particular, prepararem-se ativamente para os tempos difíceis que vivemos, recusando qualquer ilusão quanto as instituições burguesas, que nada têm de democráticas, estando a serviço de sua classe. As baionetas e os canos de fuzil estão apontados para a classe trabalhadora e seus representantes e, como visto em tantos momentos históricos, como na heroica vitória cubana em Playa Girón, nossa única saída é responder à altura, com o povo organizado e mobilizado para enfrentar seu inimigo de classe, abrindo os caminhos para a verdadeira e definitiva emancipação de nosso continente e para o socialismo.

Temos, diante de nós, a história acontecendo em seus mais trágicos enredos, mas somos nós mesmos seus artífices. Saibamos fazer bom proveito de seus ensinamentos e do vento que nos sopra.

Toda solidariedade e apoio ao povo boliviano na resistência aos golpistas e seus planos genocidas!

Não à guerra imperialista na América Latina!

Socialismo ou morte!

Venceremos!

1 Comentário

  1. Belo texto. Importante como introdutório para um debate necessário sobre a latino América e nossas ações no contexto regional e nacional. Agradecido.

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