Em “condições normais de temperatura e pressão”, as trocas de ministros são atos corriqueiros. Como regra, todo político pode ser demitido por vontade unilateral da parte contratante ou autoridade competente. No entanto, a exoneração de Mandetta em meio a querelas públicas, no dia em que os números de contaminados e mortos, subnotificados, se aproximavam de 35.000 e 2.500 pessoas, transparece algo mais sério do que as ciumeiras do “chefe”.
A própria comparação entre as declarações dos envolvidos indica um dilema no pensamento burguês, tal como aconteceu mundialmente. Assim disse o exonerado: “Nada tem significância maior do que a defesa da vida, do SUS e da ciência; fiquem nesses pilares.” Retrucou a voz do nomeado: “A gente discutir saúde e economia é muito ruim, porque elas não competem entre si, são complementares”. Ambos poderiam estar em acordo, não fosse a situação.
Naquele momento concreto e no auge da pandemia, o demitido foi literalmente obrigado a entrelaçar os braços com a saúde pública e investir no planejamento sanitário, amparando-se nas diretrizes da OMS e nos órgãos estatais, bem como deixando no depósito as suas conhecidas concepções ultraliberais, que de modo nenhum se originaram no “juramento de Hipócrates” firmado há décadas nas instituições acadêmicas e nos conselhos profissionais.
Já o novo ministro se declarou totalmente alinhado com as ideias presidenciais. Antes, já tinha dado sinais: uma conferência sua, gravada em vídeo, se baseia no princípio da “eficiência” para propor a condenação à morte os idosos para tratar “um adolescente”. A saúde pública está entregue a um defensor da eutanásia compulsória. Não fala o médico, mas o empresário e gestor vinculado aos conglomerados industriais privados que atuam no ramo da saúde.
O significado maior da mudança, no bojo da crise cíclica intensificada pela contaminação e durante a prática do afastamento social, é que uma parte da burguesia e seus representantes, Bolsonaro e seu grupo à frente, atacam a função estatal que reserva um mínimo de meios para manter a força de trabalho e a hegemonia. Inconformados com políticas de longo prazo buscam lucro imediato, sabotam o combate ao contágio e incentivam uma exposição geral.
Hostis mesmo a humanitarismos conservadores, resistentes às orientações protetivas e negacionistas em face de alguns dilemas estratégicos de sua própria classe, aderem ao darwinismo social mais bárbaro e tosco. Só desejam que o mercado gire. Apostam que a morte massiva dos cidadãos seria insuficiente para eliminar os desempregados e que os sobreviventes continuariam mendigando a colocação nas filas. Eis a fidelidade que Nelson Teich jurou.
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