Os Movimentos Culturais na atual fase da Luta de Classes no Brasil

Por Fábio Rodrigues e Rodolfo Mattos

I A Conjuntura atual

Nosso país está afundado em uma onda conservadora, obscurantista e entreguista que, desde o início da atual marcha golpista, vem destruindo uma série de conquistas progressistas que a nação alcançou, com muita luta, nas últimas décadas: contexto agravado em grande potência com a eleição de Jair Bolsonaro em 2018.

O Governo Federal e sua base aliada, em seu mau-caráter e incontestável despreparo, mas, acima de tudo, a serviço de um projeto entreguista e de desmonte do Estado que ameaça a soberania nacional, colocam em curso um projeto de ataque e destruição de qualquer prática que desenvolva no conjunto da população o pensamento crítico e, por consequência, sua autodeterminação e capacidade de, coletivamente, se organizar e lutar pela justiça social, eliminação das desigualdades sociais e ampliação da cidadania. Por isso, para eles, Educação e Cultura são seus inimigos.

Depois do fim do Ministério da Cultura, as últimas notícias em relação ao Governo Bolsonaro, apesar de aterrorizantes, não surpreendem, atacando-se diretamente e frontalmente professores e universidades: projeto que, após um início de gestão disputada entre os militares e o grupo liderado pelo astrólogo Olavo de Carvalho, com a chegada de Abraham Weintraub ao Mistério da Educação – um economista com especialização em Direito, sem formação alguma em Educação, e que muito menos tem alguma experiência em políticas públicas voltadas para área – agora ganha corpo.

Como uma de suas primeiras medidas, o novo ministro da (des)educação anunciou, recentemente, cortes de verbas nas universidades públicas: instituições essas que já vêm sofrendo graves ataques em relação ao orçamento desde a gestão anterior. O corte maior se deu na área das Ciências Humanas, em especial, a Filosofia e a Sociologia. Para os asseclas do “livre mercado”, tais ciências seriam “gastos desnecessários” e “o governo deve ter responsabilidade com o contribuinte, sendo necessário investir em ciências que dão retorno para a sociedade, tais como engenharia, veterinária e medicina”. Essas afirmações são justificadas, em realidade e indubitavelmente, para orquestrar o projeto fascista de vetar ao povo o direito de pensar de forma crítica e se manifestar politicamente.

II A Cultura como forma de resistência

Diante de tal cenário, a pergunta que fica é: como podemos resistir a tão tenebroso contexto? Uma via possível é, justamente, pela própria educação e pelos movimentos culturais. Nesse momento, nos deteremos apenas em alguns apontamentos sobre a questão da cultura e dos movimentos culturais.

Considerando a necessidade de organização de uma Frente Ampla pela soberania nacional, pelos direitos fundamentais, pelo patrimônio público e demais anseios populares, podemos olhar para alguns exemplos de resistência cultural na história recente do nosso país, sobretudo no que se refere à ditadura militar, que nos ensinam ser possível lutar de inúmeras maneiras, entre elas, por meio da cultura, campo que trabalha com algo que nem Bolsonaro e nem ninguém pode cortar: nós mesmos.

A arte é, sobretudo, um ato político. Sendo assim, devemos utilizá-la como arma para as mais diversas lutas, principalmente em prol das demandas sociais da maioria da população, economicamente explorada, e dos segmentos sociais marginalizados e discriminados. Augusto Boal, fundador do Teatro do Oprimido, inspirado na Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, nos diz que o espectador deve ser ator, deve sair do seu lugar de público e intervir como protagonista do espetáculo. Tal teatrólogo nos dá um vasto manual de como o teatro pode ser uma ferramenta de construção do pensamento crítico e de mudança de concepção da própria realidade, marcada pela opressão das classes dominantes. Além do teatro, outros gêneros e manifestações cultuais podem seguir a mesma linha de colocar o espectador como proponente da ação artística e, não menos, política. Boal, inclusive, nos diz que o Teatro pode não ser um ato revolucionário, mas, com toda certeza, é um ensaio da revolução.

Se o teatro, que nos serviu de exemplo, ou a música, que como destaca o historiador Marcos Napolitano, teve um papel fundamental na luta contra a ditadura militar, ou seja, a cultura em geral, não possui necessariamente um caráter revolucionário, mas carrega consigo esse potencial, torna-se necessário pensarmos porque é assim e como podemos fazer despertar esse potencial.

Concebendo a cultura de maneira ampla, ou seja, como tudo aquilo que o ser humano produz, tal como propõe Marx, ela é resultado do trabalho humano para suprir suas necessidades. Sob um olhar mais estrito, concebendo a cultura como arte ou manifestação artística, ela também não escapa a essa finalidade, pois mesmo que seu resultado não tenha um valor técnico mensurável, ela serve fundamentalmente como forma de linguagem entre os seres humanos.

Para Marx, a arte, assim como a educação, integra a superestrutura social e é determinada pelo modo de produção e pelo sistema econômico. No capitalismo, sob a forma de fetiche, ou seja, de um desejo projetado em objeto externo, a arte também se transforma em mercadoria que, ao fim e ao cabo, para além da necessidade de ser consumida, também precisa servir aos interesses da classe dominante e para a manutenção do status quo. Percebe-se portanto, que para a arte estar a serviço de um projeto de emancipação da classe trabalhadora, ou seja, do proletariado, para a transformação social, é necessário que, em primeiro lugar, ela deixe de ser uma mercadoria, bem como esteja amplamente comprometida com essas bandeiras de luta.

Surge então um dilema, pois, se arte tem como base a sociedade na qual se desenvolve e o artista está inserido na cultura dessa sociedade, não sendo possível dela escapar totalmente, fica claro que essa ação de transformação não pode se dar de forma isolada, pois não vivemos, ainda, numa sociedade socialista. Portanto, é preciso que, mesmo dentro da sociedade capitalista, sejam gestadas as condições necessárias à formação desses artistas e dessa arte para que estejam a serviço do proletariado.

Assim sendo, ganha relevo a necessidade de organizarmos e formarmos artistas e manifestações culturais que caminhem num sentido oposto à perspectiva dominante, ou seja, expressões e movimentos artístico-culturais que incentivem e promovam a reflexão acerca dos problemas que nos cercam. É preciso estabelecermos formas de linguagem, por meio da arte e da cultura, que nos comuniquem à classe trabalhadora, que estabeleçam elos racionais que despertem no interior de cada homem e de cada mulher que sente na pele a exploração do sistema capitalista, o desejo pela mudança. Entendemos que esse deve ser o papel do artista realmente engajado com sua classe e com a transformação social. É preciso alimentar e construir a arte revolucionária!

Essa não é uma tarefa fácil porque, não por acaso, os artistas e os movimentos culturais costumam ver a si mesmos como transgressores e “revolucionários” por natureza, considerando que não é preciso fazer nenhuma outra revolução que não seja a que eles consideram já empreender. Com isso, perde-se de vista duas necessidades fundamentais para uma efetiva transformação social: a luta de classes e a tomada do poder; o que tende a gerar, normalmente, um descompromisso desses artistas e desses movimentos com tais bandeiras de luta. Em tempos de exacerbação dos individualismos, das pós-verdades, dos revisionismos e reformismos e da criminalização da atividade política, tal postura cai como uma luva para os projetos de dominação das elites, pois desperdiça-se a oportunidade de fazer uso dessas expressões como ferramentas adequadas à luta pelo poder político, único que garantirá, de fato, a nossa emancipação.

III A inserção nos movimentos culturais

Considerando a conjuntura apresentada e as reflexões desenvolvidas, acreditamos que, num quadro de defensiva da luta de classes diante do avanço imperialista – economicamente ultraliberal e conservadora/obscurantista nos costumes –, e tendo em mente a importância de ações que caminhem no sentido da efetiva construção de uma Frente Ampla contra todos os retrocessos em curso, a inserção dos comunistas nos movimentos culturais é de suma importância.

Essa inserção deve se dar, quanto a seus objetivos mais imediatos, na busca pela exploração das contradições entre o projeto desenvolvido pelo atual Governo Federal e seus aliados com o campo da cultura que, como já colocado, vem sofrendo diversos ataques. Uma vez explorada essa contradição, ou seja, construindo-se um consenso de oposição dentro de cada movimento, deve-se buscar a elaboração de pautas e bandeiras de luta, tanto específicas – observando-se as demandas mais importantes de cada setor – como também as mais amplas – que tornem possível a formação de um organizado e coeso campo de enfrentamento e resistência cultural.

No que diz respeito aos objetivos a médio e a longo prazo, é preciso saber utilizar a atual conjuntura para angariar a simpatia e o reconhecimento desses movimentos por meio de nossa participação direta em suas lutas e, mais do que isso, identificarmos e formarmos em cada um desses movimentos os indivíduos mais avançados para, a partir deles, podermos fazer florescer e fortalecer nessas organizações a perspectiva revolucionária e socialista.

Do ponto de vista mais geral, do conjunto da sociedade, os movimentos culturais e os artistas, uma vez ganhos para tais lutas, desempenham um papel fundamental, pois historicamente a arte é uma forma de comunicação que extrapola barreiras e fronteiras, podendo comunicar das mais diversas formas e às mais diferentes pessoas a sua mensagem. Muitas vezes a leitura de um texto ou uma palestra são pouco atrativas para a grande maioria da população, mas onde as ideias não conseguem chegar nesse formato, podem facilmente penetrar por meio da música, da poesia, do teatro, da pintura, do cinema, etc.

Atuar e disputar os movimentos culturais, é lutar pela disputa de grande parte do imaginário popular, por meio de práticas que mobilizam importantes setores da sociedade, sobretudo entre os jovens, portanto uma tarefa urgente para barrar os retrocessos atuais e criarmos as condições de avançarmos rumo ao socialismo.

Se “todo artista deve ir aonde o povo está”, deve ser também sua tarefa desenvolver a consciência de classe e lutar por si e por seu povo contra a opressão capitalista!

CONTRA OS ATAQUES DE BOLSONARO E SEUS ALIADOS À EDUCAÇÃO E À CULTURA!

POR MOVIMENTOS CULTURAIS E ARTISTAS ENGAJADOS COM AS LUTAS DO POVO E PELA TRANSFORMAÇÃO SOCIAL!

POR UM AMPLO MOVIMENTO CULTURAL E POPULAR PARA DETER OS RETROCESSOS E O FASCISMO!

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